Sociedade moderna no ambiente corporativo: Servant Leadership
As últimas semanas demonstraram com maestria o poder da coletividade. Pessoas de diferentes partes do mundo, formações acadêmicas, crenças, raças e ideais, se uniram para lutar contra a persistente injustiça racial. Pois esses protestos e atos refletem a preocupação para com os comportamentos e colaboração, presentes na sociedade atual; sabe-se da necessidade de se construir um mundo mais coletivo e justo, colocando o indivíduo e suas características particulares como eixo central. Tais ideais não se encontram restritos ao âmbito social, ganhando cada vez mais espaço e relevância nas relações empresariais.
A liderança é um fenômeno social que não responde bem aos paradigmas tradicionais, apresenta-se em constante mudança, sempre se adaptando à realidade da humanidade. Com uma natureza multidimensional, os conceitos de boas lideranças mudaram drasticamente ao longo dos anos. Por tempos viu-se como um bom líder aquele de detinha o poder e a palavra final, assemelhando-se ao pensamento de Maquiavel, a liderança elogiada por um longo período era aquela orientada em hierarquia, onde o trabalho atingia seu apogeu a partir do temor das possíveis consequências.
Na década de 1970, Rober K. Greenleaf deu o ponta-pé inicial para o declínio desse conceito, apresentando uma filosofia de liderança que acompanhou as mudanças sociais e tecnológicas do século XXI. O americano apresentou a “servant leadership”, em uma tradução literal: liderança servil. Assim como o movimento Black Lives Matter, uma liderança servil é baseada nas convicções de coletivismo, ativismo e justiça social, pautam-se no respeito do valor e do propósito humano tão estimados pela humanidade nessa nova era.
O conceito de “Servant Leadership”
O termo “servil” ligado à liderança está atrelado à ideia de que há uma “obrigação de trabalho em benefício de um superior, e uma mandatória obediência aos comandos desse”. (Dicionário de Oxford, p.1643) Desde o surgimento desse modo de liderança, Greenleaf foi criticado pela escolha dessa palavra; entretanto, o filósofo demonstrou que essa definição era bem mais ampla e, desta forma, capaz de abranger sua teoria. Ele colocou como premissa a propensão natural do líder em ter como prioridade as necessidades daqueles com que trabalha; caracterizando o redirecionamento do foco das empresas (previamente centrados nos stakeholders) para as pessoas com conexão com ela, todos aqueles afetados pela instituição.
Nas palavras do criador desse modelo de liderança “o papel do líder não é trabalhar pelo reconhecimento, e sim para criar uma arquitetura social que beneficie o ambiente das pessoas por quem a organização é responsável”. Portanto, o intuito dessa relação é o desenvolvimento humano a partir da individualidade de cada membro da instituição.
Pessoas engajadas no processo de servir, tal qual pensado por Robert K. Greenleaf, ajudam um ao outro a se elevarem em níveis de moralidade e motivação, buscando constantemente versões melhores de si. Com isso, é imprescindível que exista uma alta conexão entre as pessoas no ambiente de trabalho, já que esse é cerca de 60% da vida cotidiana delas. Portanto, é necessário, quando se visa a saúde e a valorização do ser humano, que essa relação seja benéfica.
No entanto, 87% da população norte-americana e 90% dos trabalhadores brasileiros, veem o trabalho como uma obrigação, e não como uma atividade que as completa. O papel do líder para mudança desse cenário é fundamental. Na perspectiva do servant leadership o líder não é mais aquele que detêm o controle, e sim aquele que inspira e cria, dentro das possibilidades existentes, espaço para a evolução e crescimento pessoal de todos com quem trabalha. Com as mudanças tecnológicas o destaque da produção humana está na criatividade e na capacidade de inovações, não mais no trabalho mecanizado. Assim, a paixão, participação e engajamento das pessoas é essencial no ambiente de trabalho.
Para isso, o objetivo final de uma boa liderança deve ser a formação de novos líderes. E, para atingir tal objetivo o trabalho do líder servente é conhecer a pessoa, afinal toda essa filosofia é baseada no valor e propósito humano.
Valorização da pessoa
O provérbio africano: “se o seu objetivo é ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá em companhia” resume bem a ideia de uma liderança eficaz no século XXI. Aqueles que querem ir longe em sua carreira devem visar um lugar colaborativo, as próprias empresas procuram criar ambientes de trabalho que tratem com respeito e dignidade seus funcionários.
As evoluções tecnológicas revolucionaram as relações de trabalho. Os problemas enfrentados pelas instituições e que dependem da mão de obra humana são mais complexos do que antes, o trabalho mecanizado passou a ser incumbência de máquinas; desta forma, as soluções para esses também exigem maior engajamento e trabalho coletivo. Entra assim, a importância de um ambiente que estimule esse quadro de colaboração, em contraposição ao de competitividade, entre os membros da empresa.
Essas novas questões que envolvem o mundo empresarial são, por si só, desafiadoras, cabendo aos líderes compreender o valor que seus colaboradores têm em suas performances presentes, não apenas na perspectiva daquilo que será entregue aos stakeholders. Os colaboradores têm a habilidade de detectar se estão ou não sendo valorizados, e aqui encaixa-se o feedback bem construído, a partir do qual o líder valoriza e redireciona comportamentos e condutas no intuito de ajudar constantemente as pessoas a enxergarem, e chegarem, ao auge de seu potencial.
Dentro de um ambiente colaborativo essa valorização individual contribuí para que as pessoas sintam-se confortáveis em trazer sua bagagem individual, tornando as ideias mais plurais e enriquecidas. A individualidade no trabalho em equipe, em prol de objetivos em comum permite a transmissão da missão, visão e valores da companhia por meio das ações de cada membro, aumentando o sentimento de pertencimento de cada um para com a empresa e seu trabalho. Para isso, um líder servil deve, ainda, preocupar-se com a comunicação e conexão com seus membros.
O Líder Servil
O líder servil é o oposto da ideia maquiavélica de líder. Enquanto o autor de O Príncipe pregava um líder heroico, Greenleaf reforçou a importância da autenticidade daqueles em posições de liderança. Eles devem inspirar os outros mostrando que, tal como qualquer ser humano, é dotado de falhas, além de suas qualidades. Sabe-se que é do racional humano aprender com os próprios erros e, a partir disso evoluir; sendo, portanto, o autoconhecimento e a capacidade de admitir suas falhas e aprender com ela. É a partir dessa auto avaliação honesta que as pessoas tornam-se próximas, além de fazer com que todos estejam mais abertos aos feedbacks, caminhando para o objetivo da servant leadership: o desenvolvimento humano.
Chegar em sua melhor versão é função de cada individuo, sobretudo o papel da liderança é possibilitar que a pessoa consiga trilhar seu caminho. Para além da comunicação e dos feedbacks, um líder servil jamais deve fazer o trabalho pelos liderados. Contudo, deve fornecer os recursos necessários para que eles o façam, sempre conhecendo a individualidade e particularidade de cada membro para que a ajuda seja efetiva. Dar o controle às pessoas as tornam mais engajadas e entusiasmadas, uma vez que sabem seus objetivos e sentirão a satisfação em alcança-los.
Logo, a liderança servil é o espelhamento dos ideais da sociedade moderna no ambiente de trabalho. Com as tecnologias em constante avanço, o diferencial humano está na criatividade e capacidade de desenvolver inovadoras soluções; para isso é fundamental manter o engajamento e a valorização das pessoas como elas são, com suas qualidades e perspectivas de melhoras. Um ambiente que admite a pluralidade está destinado a evoluir nas mesmas proporções que a sociedade, citando mais uma ver o provérbio africano “Se quiser ir longe, vá em companhia”.
Por Maria Julia Gonçalves, graduanda em Direito na Fundação Getúlio Vargas e Trainee na Consultoria RH Junior.