Atualmente, uma empresa que faz uma boa administração de seu capital humano, respeitando as individualidades de cada pessoa, tem maiores chances de se alavancar em qualquer tipo de mercado existente. Entretanto, existe um segmento super renomado que mantém algumas práticas as quais ainda têm muito para aprender com essa maneira de gerir os colaboradores – o mercado financeiro. De forma breve, o mercado financeiro abrange qualquer agente que age em torno da compra e venda de ativos financeiros, sendo esses denominados como qualquer bem econômico da empresa, o qual é obtido por um direito contratual. É preciso falar sobre relação entre o mercado financeiro e gestão de pessoas, que é um paradigma do mundo corporativo desde sempre.
No início da época industrial, trabalhadores não tinham muito poder de mudança em relação as suas condições, justamente pelo fato de seus patrões focarem esforços no lucro da empresa acima de tudo e todos, visualizando o gasto com pessoas como despesa e não como investimento. Com a institucionalização de sindicatos e leis trabalhistas, o trabalhador começa a desenvolver seus direitos e as próprias empresas, que antes estavam com a mesma postura do patrão da fábrica industrial, começam a valorizar seus funcionários. Até porque, o melhor entendimento da administração de empresas conforme o passar dos anos, fez com que a compreensão acerca do investimento no funcionário mudasse completamente.
Com essas mudanças, a gestão de pessoas se tornou um diferencial nas empresas pelo investimento em seus funcionários, diminuindo aspectos negativos como o turnover e o burnout. Dessa forma, os recursos humanos presentes na empresa se tornam aliados dos recursos financeiros, trabalhando juntos para transformar o contexto empresarial. Portanto, o relacionamento entre ambas as áreas tem diversos aspectos para se explorar. Logo, gostaria de trazer 4 tópicos em que a gestão de pessoas pode potencializar o mercado financeiro.
1 – Gestão de pessoas vs Gestão do Medo
Não só no mercado financeiro, mas em diversos segmentos, a gestão do medo é muito presente nas relações empresariais. Isso porque esse estilo de gestão comporta qualquer pressão que se faça em cima de um funcionário ou colaborador, a fim de que ele performe melhor pela pura pressão em perder seu cargo ou status. Entretanto, por mais frequente que tenha sido a aplicação dessa estratégia aplicada na história das organizações, o mercado financeiro possui muito essa característica de pressionar seus funcionários, principalmente por 2 aspectos – processo seletivo e cotidiano.
Para entrar em qualquer empresa, na maioria dos casos, deve-se passar por um processo seletivo e os atuantes do mercado financeiro são campeões nisso. Uma série de entrevistas nas quais o conhecimento técnico é extremamente exigido, sendo muitas vezes mais relevante do que o fit cultural do candidato. Dessa forma, a pessoa que se insere nessas empresas, estuda muito durante o processo e realmente tem que se esforçar para conseguir a vaga. Assim, posteriormente, a pessoa adquire muito apego pela sua posição dentro da empresa e como consequência, um certo medo de perder seu emprego após tanta dedicação. E é exatamente nesse ponto que o mercado financeiro pode ser aprimorado – não utilizar desse medo como um motivador.
A gestão do medo pode até gerar resultados em curto prazo, já que a própria pessoa vai se policiar para entregar com excelência, mas a longo prazo o desgaste mental e físico se tornam superiores a tudo isso. Sendo assim, o conselho é utilizar uma gestão pessoal do colaborador, fortificando suas qualidades e melhorando seus defeitos, através do acompanhamento contínuo. Em diversos bancos, existem mentores, os quais auxiliam o estagiário no processo de desenvolvimento de tarefas, mas com teor inteiramente técnico. Talvez os próprios mentores poderiam utilizar desse espaço para fazer acompanhamentos pessoais ou, utilizar de um especialista para executar tal tarefa (um psicólogo, por exemplo).
Além disso, essa ideia do acompanhamento pessoal do colaborador, englobaria uma melhora no aspecto do cotidiano deste. O dia a dia do mercado financeiro é duro, envolvendo assuntos difíceis e complexos que acompanham a volatilidade dos assuntos. Isso somado ao clima pesado, proveniente da pressão citada acima, cria um ambiente de trabalho no qual poucos resistem. É improvável que uma pessoa trabalhe mais de 12 horas por dia em um clima pesado e consiga desenvolver aspectos pessoais de forma fluida e harmoniosa.
2 – Desenvolvimento individual e o bônus salarial
Um dos maiores atrativos do mercado financeiro é o benefício monetário. Uma frase comum de se escutar pelos corredores de faculdades e cursos profissionalizante é: “vou procurar estágios em bancos porque eles pagam melhor”. Não é de hoje que o altos salários nos convencem e dirigem as pessoas a certas vagas, mas as atuais histórias de pessoas que obtiveram sucesso seguindo por esse caminho ou investindo na bolsa de valores faz com que o mercado financeiro se torne cada vez mais atrativo.
Além disso, não só o salário, mas os bônus do mercado financeiro são extremamente generosos. O trabalho duro é recompensado com dinheiro, isso é indiscutível. Mas ao mesmo tempo, essa competição por performance em busca do capital é extremamente desgastante para os funcionários. Além disso, é importante se perguntar até que ponto uma pessoa se desenvolve ao atingir um alto número de resultados quantitativos (entrega todos os relatórios com excelência), mas uma baixa evolução qualitativa (aspectos pessoais, autoconhecimento). Em suma, uma busca pela ascensão na empresa em prol apenas de bônus maiores não desenvolve tanto uma pessoa pela falta do fortalecimento de soft skills.
Uma ideia que gestão de pessoas traz para o ambiente corporativo é o link direto entre o bônus que um funcionário recebe e seu PDI (Plano de desenvolvimento Individual). O PDI é um recurso da área de gestão de pessoas que permite mapear competências profissionais e pessoais, a fim de estabelecer estratégias, metas e prazos que ajudem o indivíduo a desenvolver tais aspectos. Dessa forma, a ligação entre esse mapeamento e o bônus salarial seria que quanto maior for a evolução percebida pelo PDI da pessoa, maior o bônus que essa tal receberia. Assim, adicionando o desenvolvimento de competências profissionais e pessoais (portanto, aspectos qualitativos como o autoconhecimento profissional e pessoal) à busca pelo sucesso na vida empresarial.
3 – Gestão de pessoas como acelerador empresarial
Assim como qualquer segmento do mercado, o financeiro é composto também por empresas. Sendo assim, o ramo empresarial financeiro apresenta diversas lacunas que se, compostas por elementos derivados da gestão de pessoas, acelerariam fortemente o desempenho de tal ramo.
Primeiramente, é necessário nos referirmos à capacidade de geração de lucro relacionada a administração do capital humano. Justamente pelo fato de que as empresas do mercado financeiro utilizam tanto o capital, quanto a dinâmica do mercado como justificativa da falta de investimentos no campo da gestão de pessoas.
Um estudo dirigido por Dennis J. Kravetz, psicólogo renomado e escritor, compactou 150 empresas da lista “the 500 Annual Directory” da revista americana Forbes para relacionar a progressividade dos recursos humanos (medido por diversos fatores como políticas de recursos humanos, estilo de gestão e gestão de desempenho) e os indicadores financeiros. Em síntese, concluiu-se que, nas palavras do próprio Kravetz: “As empresas que são baixas na progressividade dos recursos humanos podiam aumentar cerca de 56 milhões de dólares cada ano os seus lucros se aumentassem o seu nível para o das empresas com alta progressividade. Este representa um potencial tremendo e a evidência sugere fortemente que a progressividade dos recursos humanos é o caminho a seguir”.
Em segundo lugar, podemos mencionar a cultura organizacional, algo que em diversas empresas do mercado financeiro é algo “tradicional” ou até mesmo “intocável”, pelo fato de ser limitada a certos valores por diversos anos. A questão não é que bancos e boutiques não apresentam cultura organizacional, muito pelo contrário. A questão é que essa cultura precisa ser uma prioridade na organização, algo pouco explicitado por diversas empresas desse ramo.
Com o intuito de falor sobre como a cultura organizacional é um ativo secreto de um líder, um TEDx talk de 2017, abordou esse tema através da apresentação de um grande empresário – Harald Port. Ele foi parceiro fundador da firma de consultoria PvL Partners na Suiça e possui grande experiência de mercado. Nesse TEDx talk apresentou um estudo no qual comparava o crescimento do preço de ações durante 11 anos, de empresas que focam em cultura organizacional e empresas que não. Em conclusão, notou-se que empresas que não focam na cultura organizacional tem um aumento médio de 74% no preço das ações. Em contrapartida, empresas que focam na cultura organizacional, o aumento médio foi de 901%.
4 – Hierarquia vs gestão de pessoas
A primeira ideia que temos quando se pensa em hierarquia é a de verticalidade, ou seja, “meu chefe manda em mim” ou “não tenho espaço para expor ideias”, mas afirmo, isso não necessariamente é verdade. A hierarquia de uma empresa é algo necessário para entender como ela funciona, seus níveis de autoridade, suas responsabilidades e relações. Entretanto, a chave para o sucesso é utilizá-la de forma que aquele que obtém a superioridade hierárquica não seja impositivo ou ditatorial, mas sim um bom gestor de pessoas.
Apesar disso, a importância desse tópico no mercado financeiro é maior ainda, devido ao fato de que diversos empresários do ramo ainda utilizam da superioridade hierárquica como forma de impor tarefas ou explicitar dominância. Contudo, no geral, existe um aspecto positivo em quais valores estão baseadas as hierarquias das empresas financeiras hoje – meritocracia e excelência. A realidade desse mercado implica muito na situação em que ou você ascende de posição ou acaba saindo da empresa. Ou seja, ninguém fica muito tempo no mesmo cargo. Sendo assim, os colaboradores buscam de diversas formas o apoio de superiores para aconselhamento de como ascender e como ser mais produtivo. Por fim, se a pessoa realmente entrega suas tarefas com excelência e no prazo, tem tudo para subir na hierarquia, respeitando muito os valores da meritocracia e excelência.
E é exatamente nesse ponto que a gestão de pessoas incide. Nesse sentido, a partir de uma hierarquia consolidada, respeitada e pautada nesses 2 valores, a solidez da responsabilidade hierárquica como forma de desenvolvimento de relacionamentos e características se torna algo muito eficiente. A própria gestão de pessoas está 100% ligada a liderança, não como cargo, mas como competência. É justamente através dessa responsabilidade pelo desenvolvimento do outro que se obtém melhores resultados. Portanto, através desse respeito com a hierarquia que se tem dentro das organizações financeiras, em conjunto com o valor compartilhado da meritocracia o acompanhamento contínuo da desenvoltura de competências e de feedbacks do superior com seu subordinado seria essencial.
Sintetizando, em longo prazo, uma relação hierárquica com a gestão de pessoas mais presente, os feedbacks e conselhos se tornam mais contínuos, de fato geram maior capacidade de crescimento. Um potencial para a organização e para o colaborador, por ambos buscarem melhores resultados através da meritocracia e excelência.
Gostaria de pontuar que são inúmeras as oportunidades de parceria entre o mercado financeiro e gestão de pessoas. Portanto os 4 tópicos pontuados são apenas alguns que aparentam com evidência no contexto empresarial atual. Assim, por mais importante e renomado que o mercado financeiro seja, é sempre bom estar atento a novas conexões, tendo em vista o objetivo de cada uma dessas organizações.
Por Pedro Amaral, graduando em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, Diretor de Administrativo Financeiro e Vice Presidente na Consultoria RH Junior.