“Você começa a ver as coisas com mais clareza e a estar mais no presente. Sua mente diminui a velocidade e você vê uma tremenda expansão no momento. Você vê muito mais do que antes” disse Steve Jobs sobre o “mindfulness”. O empresário foi um dos primeiros CEOs do Estados Unidos a aderir à essas práticas, mas não foi o único. Em 2018 a empresa de software Salesforce abriu sua nova sede em São Francisco, o prédio conta com 61 andares e uma sala destinada ao Mindfulness em cada um deles. A multinacional Google realiza esse “exercício mental” antes de começarem suas reuniões, a Nike oferece workshops e aulas de meditação em grupo para seus funcionários. Mas afinal, o que é essa prática e por que tantas empresas estão aderindo ao Mindfulness?
Mindfulness trata-se de um estado de consciência que surge quando estamos com “atenção plena”. Em outras palavras, é a capacidade de intencionalmente trazer a atenção ao momento presente, sem julgamentos e reações automáticas. Quando nos deparamos com essa definição, a impressão pode ser de que essa seja uma tarefa muito simples e fácil. E com a prática ela realmente pode vir a ser. O problema é que quando não estamos no momento presente, ou seja, quando não estamos com nossa atenção plena, nós simplesmente não estamos atentos ao instante para notar isso. E acredite, atualmente nós não estamos presentes na maior parte do tempo.
Mindlessness
Um estudo publicado em Harvard mostrou que do tempo que passamos acordados, em aproximadamente 47% nós não estamos atentos ao que estamos fazendo no momento. Isso significa que em quase metade do nosso tempo nós estamos vivendo no automático e reagindo à diversas situações sem consciência disso. Ellen Langer, “mãe do mindfulness” e professora de psicologia na Universidade de Harvard, define que o fenômeno “mindlessness” ocorre basicamente porque confiamos completamente em distinções do passado. Assim sendo:
- O passado determina o que você faz no presente;
- Você fica preso em uma única e antiga perspectiva;
- Você é insensível ao contexto;
- Suas ações são regidas por regras e rotinas;
- Tudo acontece por padrão.
Em uma sociedade em que tudo tende a acontecer cada vez mais rápido, é visível a tentativa de simplificar processos para otimizar tempo e produzir mais. Não é à toa que realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo tem se tornado cada vez mais habitual. Nesse sentido, é necessário compreender que padronizar comportamentos e maneiras de pensar adquiridas anteriormente nem sempre são formas vantajosas de lidar com esse ritmo desenfreado. Padrões comportamentais e automatismos intelectuais são úteis em situações específicas, em que a ausência de reflexão crítica não prejudica o desempenho da tarefa a ser realizada. Como por exemplo o ato de escovar os dentes.
Entretanto, quando falamos em relações interpessoais, existe um fator essencial de diferenciação em relação à ações rotineiras, trata-se do contexto. Uma das grandes consequências de usar referências prontas, confiar em definições estabelecidas no passado e deixar que regras definam suas ações é a certeza que isso gera sobre a efetividade de determinado modo de pensar e agir, que não necessariamente foram refletidos no passado ou condizem com a circunstância atual. Nesse sentido, a certeza limita: quando temos certeza de algo, não paramos para pensar sobre, porque achamos que já sabemos.
Portanto, ter atenção plena não parece ser necessário. Ao agir dessa maneira, estamos não apenas ignorando o fato de que tudo está sempre mudando, Mas também Não percebendo que além da mudança existem inúmeras perspectivas possíveis.
Um exemplo mais prático e direto sobre o assunto é o uso de manuais. Um manual pode dizer como algo deve ser feito ou pontuar caminhos e variáveis sobre o fato para que então uma reflexão seja exigida e novas formas de pensar possam surgir.
Da mesma forma que deixar o passado definir ações do momento presente é uma ação que provoca a desatenção, remoer o passado angustiando por um futuro totalmente incerto também acarreta o mesmo. Fatores estressantes estão presentes a todo momento, e o estresse não é desnecessário por si só, o problema é quando isso se torna algo crônico. A redução do estresse pode vir da mudança dos fatores estressantes, que podem estar relacionados com o ambiente organizacional, relações pessoais e também da mudança da forma que lidamos com eles.
Mindfulness
O Mindfulness entra nesse cenário como a negação das características mindlessness. Parte-se da compreensão de que o passado não deve determinar o presente e sim guiar e auxiliar, o que permite reflexão e diferenciação dos contextos vividos. Da mesma forma, trata-se de entender a diferença daquilo que é indeterminado para o que é incontrolável nos diferentes contextos que causam angústia e estresse. Tudo isso se torna possível quando nos tornamos conscientemente atentos.
Por esse motivo existem diversos tipos de exercícios mindfulness, pois tudo que fazemos na vida pode ser feito com ou sem atenção. O que todas essas práticas têm em comum? Elas se referem ao treino da percepção, trata-se de perceber as coisas ativamente. Quando medito estou percebendo a minha respiração, o ar entrando e saindo. Da mesma forma, quando pratico a escuta atenta estou, além de ouvindo o que outra pessoa tem a dizer, percebendo e verificando a compreensão do que está sendo dito.
Quando começamos a treinar o pensamento em situações mais pontuais como 15 minutos de meditação ou escutar de maneira atenta, estamos ao mesmo tempo treinando a mente para agir dessa forma nas mais diversas e complexas situações. Tudo começa pelo reconhecimento dos próprios pensamentos, das possibilidades, o que então se estende consequentemente para a esfera do trabalho, relações.
Efeitos e benefícios
O nosso cérebro possui uma qualidade que está sendo mais estudada recentemente chamada neuroplasticidade. Isso significa que a estrutura do cérebro assim como seu tamanho e suas funções podem se alterar de acordo com nossas experiências e pensamentos. A prática frequente da atenção plena tem a capacidade de aumentar a atividade da região do cérebro responsável por regular a concentração, tomada de decisões, julgamento e interação social. Ao mesmo tempo, ajuda a reduzir a atividade de resposta rápida ao estresse, que faz com que reajamos muitas vezes sem pensar.
Assim sendo, quando as práticas de Mindfulness são aderidas, aspectos extremamente relevantes para a qualidade da realização de atividades do ambiente organizacional são desenvolvidas.
Primeiramente, o aumento da concentração e percepção ativa sobre as circunstâncias, em conjunto da compreensão da incerteza como provedora de reflexão, incitará um maior engajamento sobre a tarefa que está sendo realizada, desencadeando um aumento da produtividade dos funcionários. Quando a empresa Google realizou estudos em cima de seu programa de mindfulness, os resultados mostraram um aumento de performance dos funcionários que foi de 36% para 68%.
Ademais, a atenção plena pressupõe uma consciência sobre os contextos, circunstâncias e perspectivas, melhorando as habilidades de administração de conflitos. Assim como, promovendo uma maior abertura para novidades, aumentando as possibilidades de inovação e tornando as oportunidades mais visíveis.
Da mesma forma que a prática ajuda em uma maior clareza sobre circunstâncias externas, também promove um reconhecimento mais claro sobre suas próprias emoções, o que colabora para o desenvolvimento de habilidades de relacionamento como empatia, comunicação e , consequentemente, liderança.
Em suma, o treino da atenção plena promove a capacidade de perceber e se tornar ciente sobre situações à sua volta e circunstâncias internas que normalmente passariam despercebidas. Essa prática, que pode parecer simples, é capaz de fazer com que sejamos mais assertivos e conscientes sobre nossas ações. Isso por que tudo é percebido tendo-se como pressuposto que as circunstâncias mudam e existem mais de uma perspectiva sobre o mesmo fato, sendo sempre necessário examinar e questionar o que se pensa ser incontestável.
Conclusão
Mindfulness é um modo de se relacionar com o mundo que, acima de aumentar a produtividade e engajamento dos funcionários, faz com que as pessoas se tornem mais conscientes sobre si mesmas, o caminho que estão percorrendo, o presente, o contexto e as possibilidades.
Entretanto, adicionar as práticas de mindfulness a sua organização sem se atentar para o ambiente organizacional e as fontes de estresse é uma ação simplória. É necessário que o ambiente externo seja favorável para a atenção plena ser possível. Não existe nada que vá resolver todos os nossos problemas e nem é para existir, mas há diferentes formas de lidar com a vida. Uma delas é se tornando consciente sobre o caminho que percorre e as possibilidades que existem, as práticas mindfulness podem ajudar nesse quesito.
Por Bruna Moraes, graduanda em Psicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Coordenadora-Plena de Relações Institucionais na Consultoria RH Junior.